A
Promotoria de Justiça de Vargem Grande reiterou, no último dia 30 de
setembro, o pedido de afastamento da prefeita de Presidente Vargas
(Termo Judiciário da Comarca), Ana Lúcia Cruz Rodrigues Mendes; dos
secretários municipais Inaldo Sousa Frazão (Educação) e Walterlino de
Jesus Uchôa Costa (Administração, Planejamento, Arrecadação e Finanças);
do pregoeiro do Município, Ronaldo Silva de Oliveira; e dos membros da
equipe de apoio Adeílson Barros de Oliveira e Maria da Conceição Barros
Ferreira Santos.
O pedido de afastamento liminar foi feito em Ação
Civil Pública proposta em 9 de dezembro de 2014. No novo pedido, o
promotor de justiça Benedito de Jesus Nascimento Neto, mais conhecido
como Benedito Coroba, requer, ainda, a juntada ao processo de uma
reportagem veiculada por uma emissora de TV do município, mostrando a
situação de crianças da Vila Jari, que precisam caminhar cerca de 1,5km,
diariamente, para chegar à escola.
“Por outro lado, existe um
ônibus escolar do Município de Presidente Vargas, adquirido em convênio
com o Governo Federal, através do Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educação – FNDE – que, em vez de transportar alunos, se encontra
escondido na Cerâmica Brasil, de propriedade do filho da ré Ana Lúcia
Cruz Rodrigues Mendes, prefeita municipal, cerâmica essa localizada na
BR-222, próximo ao Portal da cidade de Vargem Grande”, denuncia o
promotor.
ENTENDA O CASO
De acordo com a
ação, todos os agentes públicos citados estão envolvidos em
irregularidades na contratação da empresa Hidrata Construções Ltda. para
a prestação do serviço de transporte escolar nos anos de 2013 e 2014,
em contratos que totalizaram R$ 1,5 milhão. Os contratos foram
analisados por uma auditoria da Controladoria Geral da União (CGU) em
agosto de 2014.
As irregularidades apontadas são diversas e
iniciam-se já nas licitações para a contratação da empresa, que tiveram
editais rigorosamente idênticos. Nos dois anos, não houve a correta
divulgação dos editais de licitação. Considerando o valor previsto dos
contratos (R$ 750 mil em cada ano), essa divulgação deveria ter sido
feita no Diário Oficial do Estado, Diário Oficial da União, Internet e
jornal de grande circulação local ou nacional.
Em vez disso, em
2013, o edital foi publicado apenas no jornal “O Debate”, cuja
circulação diária é de apenas três mil exemplares. Em 2014, a publicação
ocorreu, mais uma vez, em jornal regional (“Extra”) e no Diário Oficial
do Estado.
Outro problema apontado ainda na licitação foi a
especificação dos dez veículos a serem locados, com indicação de marca e
modelo. Não foi comprovado que os veículos especificados seriam os
únicos que poderiam atender à demanda ou, mesmo, que seriam superiores
às demais. Mais que isso: algumas especificações foram de veículos
obsoletos, fabricados há mais de 20 anos.
Por outro lado, os
editais não traziam informações como a necessidade ou não de condutor
para os veículos, de quem seria a responsabilidade de abastecimento ou
exigência de habilitação específica para os motoristas.
SUPERFATURAMENTO
As
investigações apontaram que nenhum dos veículos que serviam ao
transporte escolar pertenciam à Hidrata Construções Ltda., apesar dos
contratos não terem previsão de subcontratação dos serviços. O próprio
sócio-administrador da empresa, Washington Mendes Sampaio, tinha o seu
veículo particular sublocado pela Hidrata.
Em depoimento,
Washington Sampaio afirmou que apenas seis dos veículos eram sublocados,
sendo os outros quatro pertencentes à empresa, embora estejam em nome
de outras pessoas. Ele informou, ainda, quanto era pago aos
proprietários dos automóveis. A diferença entre o valor pago à empresa e
o repassado aos donos dos veículos (considerados apenas os seis citados
pelo sócio-administrador) era de R$ 20 mil por mês. O superfaturamento
total do contrato seria de R$ 300 mil.
Há irregularidades também
no que diz respeito às distâncias percorridas pelos veículos e o que
estava previsto em contrato. Os percursos estabelecidos são de 10 a 21km
menores do que o previsto, o que representa uma diferença de até R$
2.545,46 entre o custo pela distância percorrida e o valor pago. Nesse
caso, o prejuízo ao erário era de R$ 34.181,90, em valores já pagos à
época da ação.
VEÍCULOS INADEQUADOS
A
equipe de fiscalização da CGU também realizou vistoria nos veículos
utilizados no transporte escolar em Presidente Vargas. Além de, em sua
grande maioria, antigos e em péssimas condições de conservação, os
automóveis não contavam com equipamentos de segurança obrigatórios
(cintos de segurança, extintores de incêndio e registrador de
velocidade). Foi encontrado, inclusive, um dos veículos abandonado na
estrada, entre os povoados Palmeira e Areal, em decorrência de quebra
mecânica.
A falta de fiscalização foi reconhecida pelo próprio
secretário municipal de Educação, Inaldo Frazão. Apesar de dois anos de
contrato, não foi designado um servidor como fiscal de contrato, para
aferir a qualidade dos serviços.
Foi verificada, ainda, a
utilização de “paus de arara” no transporte escolar. Veículos abertos e
sem qualquer segurança para o transporte de passageiros. Esse tipo de
caminhão não poderia, jamais, ser utilizado no transporte escolar. Em
agosto de 2014, inclusive, um estudante da rede municipal foi sacado de
um desses veículos, tendo passado vários dias em coma. Como sequela do
acidente, o jovem ficou paraplégico.
IRREGULARIDADES NA EMPRESA
De
acordo com o Denatran, a Hidrata Construções Ltda. possui apenas um
veículo em seu nome: uma Fiat Strada, inadequada ao serviço de
transporte escolar. O Ministério Público também apurou não haver
empregados declarados na empresa. Os motoristas responsáveis pela
condução dos veículos de transporte escolar em Presidente Vargas não
tinham registro formal na Carteira de Trabalho e Previdência Social.
Outro
item apontado pela CGU foi o fato de que a atividade de transporte
escolar só foi incluída no objeto social da empresa em 22 de janeiro de
2013, depois do lançamento do Pregão 007/2013, que levou à primeira
contratação pelo município de Presidente Vargas, e apenas dois dias
antes do julgamento das propostas de preços. O balanço patrimonial da
Hidrata Construções Ltda. no exercício financeiro de 2012 não demonstra
qualquer atividade no período de 2009 a 2012.
Na avaliação do
promotor Benedito Coroba, com “a ausência de veículos para prestação de
serviços de transporte escolar, a ausência de empregados declarados na
RAIS, a ausência de atividade da empresa no período de 2009 a 2012, e a
incompatibilidade econômica dos sócios em relação à integralização de
seu capital social, conclui-se que a empresa Hidrata Construções Ltda.
não possui estrutura financeira e operacional para execução de serviços
de transporte escolar”.
LIGAÇÕES COM PREFEITA
Em
declaração, o sócio-administrador da Hidrata Construções afirmou ser
amigo da prefeita Ana Lúcia Mendes e que já trabalhou nas empresas
Figueiredo e Rodrigues Ltda. e Cerâmica Brasil. A primeira empresa tem
como sócios dois filhos da prefeita, enquanto a segunda é de propriedade
de um filho e um irmão da gestora municipal.
Foi verificado,
também, que a Hidrata Construções Ltda. e a Figueiredo e Rodrigues Ltda.
possuem endereços similares. São idênticos a cidade, logradouro e
numeração, diferindo apenas o número da sala. Observou-se, ainda, que a
Hidrata e a Cerâmica Brasil Ltda. possuem o mesmo telefone cadastrado no
Sistema CNPJ, da Receita Federal. Além disso, as empresas foram abertas
em datas próximas.
LIMINAR
Como medida
liminar, o Ministério Público pediu a imediata decretação da
indisponibilidade dos bens dos envolvidos, além de seu afastamento dos
cargos públicos que ocupam. Para Benedito Coroba, essa é uma “situação
que revela a insensibilidade, a irresponsabilidade, a desonestidade,
entre outras apreciações, com o patrimônio público e as pessoas
destinatárias do transporte escolar, acentuando, aqui, que essas pessoas
são pobres, excluídas, e que, em regra, não são alcançadas pelas
políticas públicas”.
Caso sejam condenados por improbidade
administrativa, os envolvidos estarão sujeitos à suspensão dos direitos
políticos por até oito anos, pagamento de multa de até R$ 3 milhões,
ressarcimento ao erário de até R$ 250 mil, proibição de contratar ou
receber qualquer benefício do Poder Público por até cinco anos, além do
pagamento de multa de até 100 vezes a remuneração recebida.
Blog do Luis Cardoso
Nenhum comentário:
Postar um comentário