Se
para boa parte do Judiciário brasileiro receber auxílio-moradia de R$
4,3 mil mesmo possuindo casa própria é um benefício legal, para um juiz
do Maranhão, abrir mão desse e de outros ‘penduricalhos’ trouxe sensação
de “bem-estar e leveza com a própria consciência”.
O
magistrado em questão é Carlos Roberto Gomes de Oliveira Paula, 56,
juiz auxiliar no TJ-MA (Tribunal de Justiça do Maranhão) com duas
décadas de judiciário e que, desde novembro do ano passado, abriu mão
dos auxílios moradia, saúde, livro e alimentação. Juntos, eles somavam
pouco mais de R$ 5,1 mil ao salário bruto de R$ 28,9 mil que ele recebe.
Oliveira
Paula falou ao UOL nessa sexta-feira (9), dias depois de a discussão
sobre o auxílio-moradia, pago à magistratura em todo o país há pouco
mais de quatro anos, ganhar novo fôlego com a revelação, pela imprensa,
de que juízes federais como Sérgio Moro e Marcelo Bretas –ambos da
operação Lava Jato e situados, respectivamente, no Paraná e no Rio
–recebem a verba mesmo com imóveis próprios nas capitais em que residem.
No
caso da cidade de São Paulo, por exemplo, metade dos juízes que recebem
o benefício não abriram mão dele mesmo com imóvel próprio. Esta semana,
no dia em que tomou posse, o novo presidente da corte, Manoel Queiroz
Pereira Calças, definiu o auxílio como “salário indireto”, afirmou que é
“muito pouco” o valor e admitiu que ele próprio, mesmo com “vários
imóveis, não só um”, não recusou a verba. A alegação de Calças é que o
auxílio encontra respaldo na Lei Orgânica da Magistratura. Para o juiz
maranhense, entretanto, o recebimento desses auxílios pela magistratura é
inconstitucional.
“Isso fragiliza
e diminui a credibilidade do poder Judiciário. Precisamos estabelecer
regras mais claras em relação a isso. A Constituição Federal não permite
e não autoriza que o juiz receba esse auxílio. A única coisa que ela
diz é que se deve receber subsídio em parcela única, à exceção de verbas
indenizatórias pagas, por exemplo, no caso de gastos de viagem que
precisem ser ressarcidos”, afirmou.
Magistrado
pediu para devolver valores que já recebeu Além de abrir mão dos
auxílios de novembro passado em diante, o magistrado ainda concedeu
formalmente ao TJ-MA, em janeiro deste ano, a devolução dos valores
recebidos nos últimos quatro anos. Estabeleceu um percentual mínimo de
4% sobre o salário bruto mensal –o que dá em torno de R$ 1,1 mil – até
que possa aumentar o desconto e quitar a devolução mais rapidamente. A
medida ainda não começou a ser implementada mensalmente, já que a
Presidência do TJ determinou que o valor total pago nesse tempo seja
calculado. “Devolver esse dinheiro e abrir mão dos auxílios que eu
recebia me deixou bem e completamente em paz com a minha consciência.
Sempre me incomodei e sempre me senti constrangido em receber esse
dinheiro, mas não tive coragem de abrir mão antes“, relatou.
Além
do constrangimento que afirmou sentir, o juiz conta que o apelo de dois
de seus quatro filhos pesou fundamentalmente para abrir mão da regalia.
“Meus filhos me cobravam: ‘papai, muita gente não tem nem um
papelão para dormir, ou um prato de comida para saciar a fome, a gente
recebe auxílio-moradia e auxílio-alimentação?’ Costumo dizer que,
se eu já fiz algumas coisas acertadas na minha vida, essa foi a mais
acertada, de longe”, disse. Sobre o valor já recebido e devolvido aos
poucos, ele é enfático: “o ideal seria que eu devolvesse mais [que
os 4% mensais sobre o salário]. Devo aumentar isso aos poucos. Mas vou
devolver tudo o que recebi.”
“Não é uma decisão fácil de ser tomada”
Oliveira
Paula disse acreditar que o silêncio dos profissionais que não vieram a
público defender o auxílio não é sinônimo, exclusivamente, de anuência
ou omissão sobre o tema. “Não é uma decisão fácil de ser tomada,
tanto que eu mesmo não tomei esse tempo todo recebendo. Eu sempre
discutia isso com colegas meus magistrados e alguns até concordavam que
era algo chato, errado… E olha: não é fácil abrir mão. Simplesmente
porque você passa a incorporar esses valores a seu padrão de vida”, disse. “Mas acredito que só meu salário é plenamente satisfatório para as minhas necessidades”, completou.
O
juiz admitiu que recebeu críticas ao abrir mão da verba, pois seu ato
poderia gerar algum tipo de pressão social sobre outros magistrados, mas
preferiu não entrar em detalhes. Também não quis falar sobre casos
específicos, como os de Moro e Bretas –”são juízes de grande competência”,
limitou-se a classificar –, tampouco sobre as associações de
magistrados que, nos últimos dias, criticaram a exposição de casos como
os dos dois juízes da Lava Jato à opinião pública. Uma dessas
associações, a Ajufe (Associação dos Juízes Federais), é presidida por
um magistrado maranhense, Roberto Veloso, que foi professor de Oliveira
Paula.
Se ele espera ser um exemplo a outros colegas?
“Passei
meses sem dar uma entrevista depois que anunciei essa renúncia, em
novembro, mas entendo que falar sobre isso é necessário para o debate.
Ainda mais porque vejo que o Judiciário, que é valoroso, está receoso ou
refletindo sobre como se colocar a respeito disso. Vários colegas
estão, sim, preocupados com isso”, disse. “E debater o tema é importante
para que não apenas saiamos mais fortes, como mais antenados com a
realidade brasileira”, opinou.
Irmão de Chico Anysio Pai
Pai
de quatro filhos e avô de cinco netos –o mais velho, de 16 anos –,
Oliveira Paula é, por parte de mãe, um dos sete irmãos do humorista
Chico Anysio, que morreu em 2012. Foi o humorista, seu irmão mais velho,
e outro dos irmãos que ajudaram a bancar parte dos estudos do agora
juiz. “A vida nossa é tão passageira que, se a gente não puder fazer algo para mudar o que precisa, não tem sentido“, concluiu.
Fonte: UOL
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