** Texto escrito por Ana Socorro Ramos Braga.
Parte I
Até
o início dos anos 1990, o carnaval de Vargem Grande era realizado nos
clubes sociais. Antes disso as festas eram realizadas no próprio prédio
da Prefeitura Municipal, com conjunto de sopro que “vinha de fora”, e
era organizado por uma comissão formada por pessoas que trabalhavam para
a Prefeitura. Depois os bailes passaram a ser realizados no Sindicato
Rural dos Proprietários de Terras, que funcionava na rua Hemetério
Leitão, onde hoje é Instituto Simplício Oliveira (ISO).
O mais antigo carnaval que conheço era o
do Clube Uirapuru, de Chico Lopes e Dona Beatriz, também donos de um
hotel do mesmo nome ali em frente. Depois veio o Clube das Mães,
organizado por Sinhá Melo, e o Clube Social que depois passou a ser
chamado de Clube da Maçonaria e o Caçador Social Clube, que foi muito
frequentado pela juventude, especialmente durante as férias até meados
da década de 1990. Nos clubes sociais o carnaval iniciava no sábado e
terminava na madrugada de quarta-feira de cinzas. À tarde, sempre nos
domingos e terças-feiras aconteciam os vesperais, que eram o sonho de
qualquer criança, mas sonho mesmo era crescer para aproveitar os quatro
bailes noturnos. Durante o dia organizavam-se espontaneamente os blocos
de sujo. É remanescente desse modelo de festa de rua, o bloco Couro de
Bode, e demais blocos que mesmo timidamente tentam se organizar. Também é
herdeiro desse tempo o gosto que o vargem-grandense tem de se lambuzar
de talco ou Maisena.
Parte II
O carnaval de rua merece um capítulo a
parte. Indo ainda mais distante no tempo, entre as décadas de 1960 -70,
não se pode deixar de fazer menção ao carnaval de blocos organizados.
Naquela época, “o grande que saia todo ano” era o Bloco Os Vitoriosos,
organizado pelo Dito, filho da Chiquinha Lavandeira, cujo forte era os
tambores e o samba. Ele organizava os ensaios preparativos, sendo que no
sábado gordo, à noite, havia o ensaio redondo no clube da Velha
Chiquinha, que acabava sendo o primeiro grito de carnaval. Disputava o
título de melhor e mais bonito com o Bloco do Zé Lima (o Zé Sibeta), que
saia de sua casa, na Rua São Sebastião, no lugar onde hoje mora D.
Maria do Senhorzinho. Cada um desses blocos fazia seu o roteiro e “não
podiam se encontrar que dava briga”. Existia ainda o Bloco do Cearense
que saía da casa dele.
Durante aproximadamente dois anos o
diferencial do Carnaval foi o bloco da Teresa Franga (Irmã do Luís
Serra), que era amasiada com Domingos Tamancão. Este ficou conhecido
como o Bloco das Moças de Vargem Grande, que saia durante três dias, no
início da manhã ao início da tarde, quando se recolhia. Entrava de casa
em casa pedindo bebidas e era atendido com sacolas de bebidas quentes,
como Martin Bianco doce, Cinzano...etc. As roupas eram feitas de papel
crepom colorido. A população se dividia quanto ao que considerava o mais
bonito. A Tereza Franga, por exemplo, embora não disputasse título,
dedicava especial zelo ao aprumo das balizas (mulher) e dos
porta-bandeiras (homem), pois o importante era ser o bloco mais bonito e
bem sambado na opinião do público. Um porta bandeira afamado era
Raimundo Xaréu , que não perdia o compasso das músicas - jardineiras,
mandacarus e samba - aprendidas na Rádio Timbiras e ensaiadas com
afinco.
Parte III
Outro capítulo a ser contado é o das
Escolas de Samba. No primeiro mandato da prefeita Aparecida Leite as
escolas Unidos de São Carlos, organizado pelo Professor Valbeci tendo
como forte apoiadora a Margareth (Nega do Radiel), e a Gaviões do Samba,
organizado pela Ana Lúcia, mais conhecida como Ana do Boi, com o apoio
da família Trabulsi, fizeram a festa na avenida. Contam que a Ana foi ao
Rio de Janeiro, falou com o carnavalesco maranhense Joãozinho Trinta e
ele doou algumas fantasias que ela trouxe pra cá ( imagino que com muito
sacrifício e paixão), e isso garantiu o brilho da avenida. Mesmo com a
novidade das escolas de samba, na década de 1980 havia outros blocos
improvisados, como Os Dez do Samba que saía no domingo e na terça-feira,
sendo um remanescente da época do Dito e dos blocos organizados.
Sinhá Melo também era uma festeira de
primeira linha. Apoiava blocos de sujo e fazia bailes em sua própria
casa. Quem contaria melhor essas histórias dos carnavais do passado
seria o saudoso Saulzinho. A família Trabulsi é outra que tem grande
tradição de carnaval alegre e sem hora para acabar. Dona Maria Trabulsi
era uma grande festeira e estimulava a alegria e a festa em família, com
união e paixão. Ela também apoiava blocos e escolas de samba. Considero
que os blocos organizados, de certa maneira, tiveram continuidade nas
escolas de Samba que foram apoiadas pela prefeita Aparecida Leite,
quando de seu primeiro mandato.
O
primeiro baile público promovido pela prefeitura municipal foi
realizado na administração de Drª Ana Maria Nascimento Fernandes, em
1997. E desse lembro bem porque organizei quando estive à frente do
Departamento de Cultura durante o primeiro mandato, de 1997 a 2000. No
primeiro e o segundo ano, se não estou enganada, o Carnaval da
Participação, assim como ela fazia questão que fosse chamado, foi
realizado na praça mais conhecida como “do” Santos Dumont, por causa da
escola de mesmo nome localizada ali próximo. Naquela época foram criados
os blocos, mas sendo estes já no modelo da música da Bahia, o axé. A
programação incluía o desfile e a eleição da Corte de Momo na
sexta-feira, e nos demais dias o desfile deles na avenida do samba.
Depois, mudou-se para a Avenida São Raimundo, que havia sido
recentemente asfaltada e de lá para o Açude Velho, na área urbanizada
que foi chamada de Parque dos Buritis. Do carnaval organizado nesse
logradouro nada posso contar, pois jamais fui lá, seja em época de
carnaval ou de São João.
Parte IV
Acredito há muito tempo que aquele
modelo (mencionado na Parte III) estava esgotado e já não mobilizava
grande parcela da população. E se se mantive foi por causa da
insistência e falta de visão dos organizadores. E isso não é só aqui em
Vargem Grande, não! Mesmo que uma parcela da população ainda acredite e
aposte em bandas famosas (e caras), vejo que o carnaval precisa se
adaptar aos novos tempos de internet, whatsapp, bandas, carros de som,
violência e poucos recursos. Tradição e experiência de carnaval de rua,
clube ou passarela Vargem Grande tem, e se isso é pré-requisito para se
criar um outro Carnaval menos dependente de modelos externos (seja da
Bahia ou do Rio de Janeiro, o do funk ou do forró...) e de recursos
públicos, pergunto: o que falta para ser feito?
Acredito que um outro Carnaval seja
possível; acredito na ampla participação da população tanto na
organização quanto na alegria das ruas. Por falar em alegria, esta sim é
que não pode faltar, pois afinal o Carnaval é um rito de inversão do
dia a dia. É o tempo de ser outro, de experimentar e transgredir. É
tempo do encontro, de estar com a família ou com os amigos (e com o
amigo dos amigos do amigo), da alegria desmedida, de perder o controle e
beber sem controle, de amores intensos (e sem compromisso), e com
muita, muita, muita fantasia. Carnaval tem que ter um pouco de tudo, e
tudo imensamente vivido na mais festiva das tradições, a própria festa. E
ninguém sabe se renovar mais que o povo. Então que este Carnaval não
seja o do choro do Pierrô, mas dos amores incontidos e eternos de
Arlequim e Colombina;Desejo que este seja um carnaval da renovação e que
o povo seja seu verdadeiro dono. E viva a alegria!
Blog do Alpanir
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